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Bass Center – 20 anos de história no contrabaixo
 

Idealizador da Bass Center, Marcello Martins relembra os 20 anos da loja que virou referência para contrabaixistas no Brasil e fala sobre sua trajetória profissional e sua paixão pelo instrumento

Por Fernando Savaglia

Há duas décadas, nascia a Bass Center, fundada pelo músico e empreendedor Marcello Martins. A proposta era criar uma loja especializada no universo dos contrabaixistas. Com o passar dos anos, o espaço se consolidou como uma referência nacional — não apenas pela variedade de instrumentos e equipamentos, mas também por se tornar um ponto de encontro entre músicos de diferentes estilos e gerações. Nesta entrevista, Marcello fala sobre os 20 anos da Bass Center, sua trajetória como músico e o papel da loja na cena musical brasileira.

Como surgiu sua paixão pelo contrabaixo?
Minha história com o baixo começou na igreja. Minha irmã é teóloga e sempre esteve envolvida com o trabalho religioso. Ela vivia falando sobre o som do contrabaixo — era apaixonada por ele. Um dia, durante um retiro espiritual, ouvi uma banda tocando e consegui distinguir claramente o som do instrumento. Aquilo me marcou. Em casa, eu tinha um violão e comecei a tentar entender o papel do baixo na música a partir dele, já que ainda não tinha um baixo de verdade.

E qual foi o seu primeiro baixo?
Eu chamava de “carrinho de rolimã” (risos). Não tinha condições financeiras de comprar um instrumento, então improvisei. Instalei captadores Sound em um velho violão, coloquei cordas de baixo da Rouxinol e tarraxas da Tonante. Se eu tivesse patenteado aquilo, teria inventado o baixolão! (risos)

O idealizador da Bass Center Marcello Martins e seu Factor.

E como começou sua carreira como músico profissional?
Toquei muito tempo na igreja, aprendendo sozinho. Eu morava em Pirituba, perto da Freguesia do Ó. Um amigo, o Mingau (baixista do Ultraje a Rigor), me indicou para uma banda de rock. Mais tarde, me chamaram para tocar em um cover de Gipsy Kings.

Mas sentia precisava conciliar a música com outras atividades. Vendas pareciam um caminho mais seguro financeiramente. Na época, comecei a trabalhar numa loja de carros.

E sua paixão pelo reggae, quando começou?
O primeiro show do Paralamas do Sucesso que vi me impactou muito. A pulsação da bateria me prendeu, e ver o Bi Ribeiro tocando com um baixo Factor me fez sonhar em ter um. Apaixonei-me pelo reggae ali. O timbre grave do baixo sempre foi o que mais me atraía — o slap veio muito depois.

O Factor foi seu primeiro baixo importado?
Não, foi um Fender Jazz Bass Special japonês, que comprei numa loja no centro da cidade — a Teodoro ainda não era o polo de música que é hoje. Um dia coloquei um anúncio no jornal Primeiro Mão, me arriscando como músico profissional. Um cara de uma banda de axé me chamou para tocar, e aí vieram, micaretas e shows. Com os cachês consegui comprar meu baixo Factor. Tenho-o até hoje.

Quanto tempo durou esse lance do axé?
Uns quatro anos. O estilo estava em alta, mas de repente tudo virou pagode e samba, e não tínhamos mais shows. Naquela altura, tive que montar uma locadora de vídeos. Foi justamente nessa época que um amigo meu, o cantor Davi Fantazzini, me apresentou à Bola de Neve, que era uma igreja onde se tocava muito reggae. Daí juntou dois interesses muito fortes da minha vida, espiritualidade e o estilo musical que mais me encantava. Foi um sonho. A igreja tinha um projeto muito bacana de resgate social. Vendi a locadora e mergulhei na história. Foi uma fase muito intensa.

E como você teve a ideia de montar uma loja especializada em contrabaixos?
Quando vinha para a Teodoro Sampaio, sempre ia à loja do Sergio Takara, que era especializada em baixos. Quando ele fechou, senti falta de um lugar focado no instrumento. Em 2005, me passou pela cabeça montar uma loja. Tinha 12 baixos e um amplificador. Mas antes perguntei a um amigo, dono de uma loja de instrumentos na galeria, se ele permitiria que eu deixasse meus baixos em consignação. Eu pagaria uma comissão a ele. Foi quando ele sugeriu: “Por que você não monta sua própria loja?” No fundo da galeria tinha um ponto vago, que inclusive era dele. A princípio, fiquei em dúvida. Aquilo era muito desafiante. Nessas horas, sempre peço orientação para Deus. Resolvi encarar o desafio. Precisava de um fiador e não encontrava ninguém. Acabei desencanando. Foi quando o dono da loja me ligou e disse que ele garantiria. E aí a história começa.

E como surgiu o nome?
Eu acompanhava muito o site da Bass Central, uma loja de Orlando, nos Estados Unidos. Inspirei-me a fazer um nome semelhante. Tive que reformar a loja e, durante esse processo, o pessoal da galeria me perguntava o que eu ia montar ali. Eu dizia e as pessoas falavam: “Você tá louco? Baixo é o que menos vende” (risos). Eu respondia que assim eu não teria que competir com ninguém.

E como foi no começo?
No primeiro dia em que abri vendi cinco instrumentos. Naquela mesma tarde comprei também um Music Man. Lembro que paguei o rapaz e, minutos depois, entrou um sujeito me perguntando se eu tinha justamente um StingRay pra vender. Não deu tempo nem de tirar do case (risos). Com o que ganhei naquele dia consegui pagar toda a reforma da loja. Apesar de estar no fundo de uma galeria e me sentir muito inexperiente no mercado, senti ali que estava no caminho certo. Eu sempre tive muita consciência financeira.

Entre esses baixos que você colocou para vender nesse primeiro momento, quais modelos tinha?
Coloquei todos os meus baixos, inclusive meu Factor. Ele foi vendido, mas depois voltou pra mim. De cabeça, lembro também de um Jazz Bass ’78, um Tobias de 6 cordas.

A loja acabou virando um ponto de encontro entre baixistas…
Sim. Até por eu ser baixista, uma coisa fundamental para mim é que as pessoas pudessem tocar. Por incrível que pareça, existiam lojas, quando eu comecei, em que você não podia tocar o instrumento. Daí, naturalmente, acabou virando um lugar de encontros.

Alguma vez você se surpreendeu com algum músico que você admirava muito entrando na loja?
Muitos. Recebi muitos dos meus ídolos, que na sua grande maioria sempre foram os brasileiros. Lembro-me do dia em que entraram o Bi Ribeiro e o Herbert Vianna (Paralamas do Sucesso). Outro que ficou quase um dia inteiro na loja tocando e conversando foi o Doug Wimbish. Aliás, Living Colour é minha banda de rock predileta. Lembro que ele se encantou com o baixo de um luthier brasileiro. Ficou apinhado de gente o vendo tocar. No final, ele colocou o nome de todo mundo na lista do show que eles iam fazer à noite (risos).

Luthiers famosos também?
Sim. Jens Ritter se encantou com o espaço. Conheci os baixos dele por intermédio do PJ, que representava a marca aqui no Brasil. Ele tinha um compromisso em Belo Horizonte, mas fez questão de pegar um avião para vir conhecer a loja. No dia em que ele veio, coincidentemente, não tinha nenhum instrumento seu para vender. Ele me perguntou meio aborrecido, o porquê disso. Eu rebati que tínhamos vendido todos — para alívio dele (risos).

Quanto tempo você ficou na galeria?
Seis anos. Depois fui para uma loja na rua. De cara tive uns 30% de aumento nas vendas. Descobri que muita gente vinha para a Teodoro Sampaio, mas não conhecia a loja por ela ficar no fundo da galeria. Nesse período, a loja cresceu muito e o espaço ficou pequeno. Mudamos de novo, para a esquina da Teodoro com a Rua Cristiano Viana, numa loja de três andares. Naquela época, comecei a fazer eventos. Recebemos muitos baixistas consagrados.

O espaço que você ocupa hoje em dia (Rua Cristiano Viana, 606) é muito confortável…
Chegamos a um tamanho ideal. Não me vejo em outro lugar. É muito funcional e, para o número de instrumentos com que trabalho, é perfeito.

Você sente que, atualmente, existe um boom de colecionadores de baixos?
Sim. Durante a pandemia, o mercado de colecionadores explodiu. Esses instrumentos se valorizaram muito. Se pensarmos que um baixo é uma commodity, os preços são regidos pela lei da oferta e da procura. É um mercado de nicho. É como bolsa de valores, o dinheiro transita. É um investimento.

Muito antes de você ter um negócio, você já era um apaixonado por baixos. Às vezes aparecem instrumentos que ficam com você?
O tempo todo (risos). A galera entra aqui e fala, “essa loja é um sofrimento, dá vontade de levar tudo”. Mas o verdadeiro sofrimento é o meu, que estou aqui todo dia (risos). Sempre escuto elogios do tipo, “essa loja é maravilhosa” e costumo rebater, “que bom que você gostou! Ela é feita pra você. Porque, se fosse por mim, esses instrumentos estariam todos na minha casa” (risos).

Da sua coleção, tem algum que você não vende?
Meu EX Factor. Tenho também um Paul Reed Smith que é raríssimo. Cheguei a pensar em transformar a loja em um museu. Chegamos a ter um espaço aqui. Desejo retomar essa ideia um dia.

A Fender continua sendo a marca mais procurada?
Sempre. Muita coisa clássica foi gravada com Jazz Bass e Precision. Percebo que muitos baixistas rodam, rodam e acabam buscando aqueles sons clássicos.

Você conheceu a Bass Central?
Sim, e fiquei decepcionado. Eles trabalham com estoques de fabricantes e têm um e-commerce forte, mas, na loja mesmo, não há tanta diversidade de instrumentos.

Já teve missões de achar um determinado baixo para algum cliente?
O tempo todo. O Lauro, do Rappa, uma vez estava procurando um Factor de 5 cordas. Encontramos um que foi do Vail Johnson (baixista de jazz fusion). A internet permite que a gente fique no radar.

Imagino o quanto já deve ter escutado de lendas sobre instrumentos…
Tem essas histórias de que SX dá pau em Fender (risos). A garotada testa no YouTube. Lá parece que tudo tem o mesmo som. Às vezes, um baixo barato tem mais volume mesmo. Mas isso não quer dizer que tem definição. Normalmente o que tem mais qualidade tem menos volume. O Bartolini por exemplo. Só na prática você vai conhecer. Para mim, a hora da verdade é na gig. É como o baixo soa no PA. Alias todo instrumento que chega na loja, eu testo. O fato de eu ser técnico em eletrônica ajuda muito.

Nesses vinte anos, dá pra dizer que a Bass Center criou algo único?
Com certeza. É muito gratificante ouvir que não existe outra loja como a nossa — nem mesmo nos EUA. A primeira vez que escutei isso foi do Lauro, do Rappa, e nunca esqueci. Aqui, criamos um espaço de acolhimento para o baixista, um lugar onde ele se sente em casa. Graças a Deus, já tive a oportunidade de ajudar muitos músicos por meio desse trabalho, e isso me enche de orgulho. Sou imensamente grato a todos que passaram pela loja ao longo desses 20 anos e também a quem acompanha e apoia a gente pelas redes sociais. Aproveito para agradecer à Cover Baixo pela chance de falar sobre esse espaço que é, na verdade, de todos nós — apaixonados pelo contrabaixo.

Foto de Fernando Savaglia

Fernando Savaglia  

 

Em mais de 40 anos de carreira trabalha ao lado de artistas como o norte americano Jimmy “Bo” Horne (em suas diversas turnês pelo Brasil desde 2010). Fez parte da banda Mo’ Jama que teve o primeiro álbum, Pulsação (indicado ao Grammy como Artista Revelação), lançado em 2002. Foi colunista das revistas Cover Baixo (2002 a 2010) e Bass Player Brasil (2012 a 2017). É autor do método Soul, Funk & Disco lançado em 2005 pela coleção Toque de Mestre.

https://coverbaixo.mus.br/contrabaixo-vintage/bass-center-20-anos-de-historia-no-contrabaixo